Rio de Janeiro, . | Economia, Estatística, Política


Algumas considerações sobre a eleição presidencial de 2022: parte 2

Alexandre B. Cunha

Este é o segundo de uma série de três textos sobre a eleição presidencial de 2022. Argumenta-se neste ensaio que o desempenho da economia provavelmente será um dos principais determinantes do resultado do pleito em questão.

O desempenho da economia exerce uma forte influência sobre o processo decisório dos eleitores. Fotógrafo: não identificado/TER-RJ. Fonte: Flickr. As expressões na tela da urna foram adicionadas por este autor.

Diversos episódios ilustram como a conjuntura econômica é capaz de influenciar o cenário político. No artigo Aspectos Macroeconômicos da Revolução Francesa (Macroeconomic Features of the French Revolution em inglês), os economistas Thomas Sargent (ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2011) e François Velde discutem como o evento em questão foi influenciado por variáveis econômicas. Segundo eles, “A causa imediata da Revolução Francesa foi a crise fiscal de 1788” (p. 477). De acordo com as conclusões de um texto de autoria dos pesquisadores Helge Berger e Mark Spoerer, as diversas revoluções que ocorreram na Europa em 1848 foram desencadeadas por um problema eminentemente econômico: a miséria. Em um dos capítulos do livro Russia’s Home Front in War and Revolution, 1914-22: Book 3. National Disintegration, Mark Harrison e Andrei Markevich apresentam estimativas de diversas estatísticas referentes à economia russa durante o período em questão. Em particular, a Tabela 2 contém estimativas da renda per capita naquele país. De acordo com esses dados, em 1916 e 1917 a referida variável decresceu, respectivamente, 7,1% e 12,0%. Consequentemente, conclui-se que a Revolução Russa também ocorreu em um contexto de forte recessão.

No caso específico do Brasil, diversos eventos politicamente relevantes ocorreram quando a economia estava em crise. Considere inicialmente a deposição de João Goulart, ocorrida em março de 1964. A inflação havia atingido patamares extremamente elevados e continuava a crescer. De acordo com o IGP-DI (índice apurado pela Fundação Getulio Vargas), em 1961, 1962, 1963 e 1964 os preços cresceram, respectivamente, 47,8%, 51,6%, 79,9% e 92,1%. Por outro lado, de 1945 a 1960 o mesmo indicador nunca atingiu 40% anuais, tendo na maior parte dos anos ficado abaixo de 20%. Ademais, o PIB per capita, que vinha crescendo desde 1957, em 1963 teve uma queda de 2,3%. Ironicamente, o fim do regime militar em março de 1985 também se deu um cenário de recessão e inflação ascendente. De fato, em 1981, 1982 e 1983 o PIB per capita decresceu, respectivamente, 6,3%, 1,3% e 4,9%. Por sua vez, de acordo com o IGP-DI a inflação foi igual 95,2%, 99,7% e 211,0% naqueles três anos e a 223,8% em 1984. Vale ressaltar que até então essa variável jamais havia atingido o patamar de 200% ao ano. O impeachment de Dilma Rousseff aconteceu em um momento de profunda crise econômica; claramente, se não fosse pela pressão popular (que por sua vez foi catalisada pela recessão) o congresso não a teria afastado. Por fim, o mesmo vale para Fernando Collor. Ou seja, havia uma forte recessão que contribuiu para reduzir o seu apoio junto aos parlamentares.

Os exemplos acima ilustram que uma crise econômica profunda pode contribuir para a queda de um governo. Contudo, ainda não se discutiu a relação do desempenho da economia com as eleições propriamente ditas. Considere inicialmente o caso dos Estados Unidos. O fato de que desde o fim da II Guerra os dois únicos presidentes que foram derrotados ao buscar a reeleição (Jimmy Carter e George H.W. Bush) se defrontaram com recessões econômicas durante os seus mandatos sugere que o desempenho da economia efetivamente impacta o processo eleitoral. Essa possibilidade se torna ainda mais forte quando se leva em conta o sucesso do professor Ray Fair, da Universidade de Yale, em prever o resultado das eleições presidenciais norte-americanas. Além de alguns indicadores de natureza política (por exemplo, se o atual presidente está ou não concorrendo à eleição e por quanto tempo o seu partido está na Casa Branca), o modelo em questão utiliza duas variáveis econômicas: as taxas de inflação e de crescimento do PIB. Até maio de 2015, ele havia previsto corretamente o resultado de sete dos nove pleitos mais recentes. Como o modelo também previu que Donald Trump venceria a disputa de 2016, até o momento ele antecipou de forma correta o vencedor de oito das dez últimas eleições. Vale ressaltar que o modelo estatístico de Ray Fair não é o único a levar em conta a relação entre o desempenho da economia e a decisão dos eleitores.

Este autor não tem ciência da existência de algum modelo similar ao do professor Ray Fair que tenha sido aplicado para o caso brasileiro. Porém, ainda assim é possível identificar cinco episódios sugerindo que os fatores econômicos são relevantes para a determinação do resultado das nossas eleições.

O primeiro caso a ser discutido é o da eleição de 1986. Naquele ano, o eleitorado teve a oportunidade de selecionar os governadores e deputados estaduais de todos os 23 estados então existentes, aproximadamente 2/3 dos senadores e todos os deputados federais. Os congressistas a serem eleitos teriam a incumbência de redigir uma nova constituição. O grupo político que apoiava o presidente José Sarney teve um desempenho excepcional naquela disputa. O seu partido (PMDB) elegeu 22 dos 23 governadores, 38 dos 49 senadores e 260 dos 487 deputados federais. Como se isso não bastasse, o PFL (que também apoiava Sarney) elegeu o outro governador, sete senadores e 118 deputados federais.

A arrasadora vitória de José Sarney e seus aliados se deveu a um grande estelionato eleitoral. A inflação era um problema que há anos assolava o Brasil. No final de fevereiro de 1986, o governo implementou o Plano Cruzado. Dentre outras medidas, houve um congelamento geral de preços. Em um primeiro momento, a inflação parecia estar controlada; consequentemente, a popularidade de Sarney foi às alturas. Contudo, ao longo do ano surgiram vários sinais de que sucesso em conter os preços não seria duradouro; por exemplo, vários produtos sumiram das prateleiras e outros somente poderiam ser comprados por preços superiores aos da tabela oficial. Ainda assim, Sarney conseguiu manter o congelamento até a eleição, a qual ocorreu no dia 15 de novembro. Menos de uma semana depois o governo anunciou o Plano Cruzado II, reajustando vários preços e tarifas de serviços públicos. Findou-se assim a paixão do povo por Sarney; porém, os votos já estavam nas urnas. Uma excelente reportagem do jornal Valor Econômico contém mais informações sobre esse infame episódio.

A inflação também teve um papel central na eleição presidencial de 1994. Durante o primeiro semestre daquele ano, as pesquisas eleitorais apontavam Lula como o franco favorito. Porém, em 1o de julho ocorreu a reforma monetária que introduziu o real. A inflação foi debelada e Fernando Henrique Cardoso, que era o candidato do governo federal, começou na subir nos levantamentos de intenção de voto. O segundo gráfico disponível nessa matéria da revista Exame ilustra a evolução das intenções de voto de FHC, de Lula e dos demais candidatos nos meses que antecederam a eleição. Quando finalmente ocorreu a votação, o candidato tucano foi eleito já no 1o turno. Em síntese, possivelmente o sucesso do Plano Real decidiu o pleito em favor do candidato governista.

Se em 1986 e 1994 a economia foi responsável pelas vitórias dos governantes, em 1989 e 2018 ela atuou na direção oposta. Nessas duas ocasiões, a conjuntura econômica era de crise. Em 1989 a inflação estava totalmente fora de controle, atingindo patamares superiores a 40% ao mês na época da eleição. Os candidatos dos principais partidos que apoiavam governo federal eram Ulysses Guimarães (PMDB) e Aureliano Chaves (PFL). Eles obtiveram, respectivamente, 4,43% e 0,83% dos votos válidos. Similarmente, em 2018 a forte recessão que tivera início durante o governo de Dilma Rousseff ainda estava em curso. Henrique Meirelles, que era o candidato de Michel Temer, teve somente 1,20% dos votos válidos.

O caso do pleito presidencial de 2006 é mais sútil. A razão para tanto é que não existiu um evento de natureza econômica tão facilmente perceptível como ocorrido nas quatro eleições discutidas acima. Porém, ainda assim a conjuntura econômica foi relevante. Relativamente ao que vinha ocorrendo pelo menos desde 1997, o PIB per capita cresceu de forma expressiva em 2004, 2005 e 2006. Estudo dos professores Tatiene Correia de Souza e Francisco Cribari Neto contém evidências de que esse crescimento contribuiu para a reeleição de Lula. Texto de autoria do pesquisador Mauricio Canêdo Pinheiro apresenta uma conclusão similar.

Em síntese, a conjuntura política é influenciada pelo desempenho da economia. No específico caso das eleições brasileiras, o Plano Cruzado teve um papel central em 1986; o mesmo vale para o Plano Real em 1994, para a explosão da inflação em 1989 e para a forte recessão que ainda estava em curso em 2018. Adicionalmente, a melhora na trajetória do PIB per capita que se verificou após 2004 aparentemente contribuiu para a reeleição de Lula em 2006. Assim sendo, tudo indica que a economia também exercerá um papel relevante no pleito presidencial de 2022.


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