Rio de Janeiro, . | Estatística, Política


Algumas considerações sobre a eleição presidencial de 2022: parte 1

Alexandre B. Cunha

Este é o primeiro de uma série de três textos sobre a eleição presidencial de 2022. Argumenta-se neste ensaio que provavelmente o PT terá um importante papel nessa disputa. No segundo artigo se analisa como o desempenho da economia deverá influenciar a escolha dos eleitores. Por fim, o último texto discute cinco possíveis cenários para a eleição em questão.

O fato de o PT ser a maior ameaça à democracia no Brasil não significa que a sua capacidade de retornar ao poder deva ser ignorada. Na verdade, isso torna ainda mais necessário que o seu potencial eleitoral seja avaliado de forma meticulosa e não emocional. E, infelizmente, a história das eleições brasileiras deixa claro que o PT é uma organização muito forte sob o ponto de vista eleitoral.

Desde o fim do regime militar, ocorreram oito eleições presidenciais no Brasil: 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018. O PT venceu quatro delas (2002, 2006, 2010 e 2014) e obteve o segundo lugar nas demais. Sob qualquer critério minimamente sensato, isso é um desempenho excelente. Mais ainda: até a presente data, nenhum outro partido político obteve resultados similares.

Os fatos acima descritos deveriam ser mais do que suficientes para estabelecer que seria um grave erro simplesmente assumir que o PT não tem qualquer chance de retornar ao Palácio do Planalto pela via eleitoral. Todavia, a força do partido nas urnas se torna mais evidente quando se levam em conta algumas estatísticas, apresentadas a seguir, referentes ao primeiro turno das últimas oito eleições presidenciais. Os percentuais que se seguem são referentes ao total de votos válidos. Por motivos que ficarão claros mais à frente, com a exceção do caso de Leonel Brizola em 1994, para os fins deste texto é suficiente considerar somente os candidatos que alcançaram o patamar de 10%.

1989
Collor (PRN): 30,48%
Lula (PT): 17,19%
Brizola (PDT): 16,51%
Fonte: Percentuais calculados pelo autor utilizando dados disponíveis na revista Ponto de Vista, no 20, dezembro de 1989, p. 5, quadro Os Resultados Finais do TSE. Observações: (1) de acordo com a revista, os dados foram obtidos na edição de 22 de novembro de 1989 da Folha de São Paulo; (2) os percentuais acima são idênticos aos disponibilizados pelo jornalista Fernando Rodrigues.

1994
FHC (PSDB): 54,24%
Lula (PT): 27,04%
Brizola (PDT): 3,19%
Fonte: Percentuais calculados pelo autor utilizando dados do TSE.

1998
FHC (PSDB): 53,06%
Lula (PT): 31,71%
Ciro Gomes (PPS): 10,97%
Fonte: TSE.

2002
Lula (PT): 46,44%
Serra (PSDB): 23,20%
Garotinho (PSB): 17,87%
Ciro (PPS): 11,97%
Fonte: TSE.

2006
Lula (PT): 48,61%
Alckmin (PSDB): 41,64%
Fonte: TSE.

2010
Dilma (PT): 46,91%
Serra (PSDB): 32,61%
Marina (PV): 19,33%
Fonte: Percentuais calculados pelo autor utilizando dados do TSE.

2014
Dilma (PT): 41,59%
Aécio (PSDB): 33,55%
Marina (PSB): 21,32%
Fonte: UOL. Observação: Dados idênticos aos do G1.

2018
Bolsonaro (PSL): 46,03%
Haddad (PT): 29,28%
Ciro (PDT): 12,47%
Fonte: TSE.

A nossa próxima tarefa consiste em interpretar esses números. Inicialmente, considere a eleição de 1989. Além da presidência, disputou-se também a liderança do movimento esquerdista. Leonel Brizola representava um grupo mais antigo, oriundo do período anterior a 1964 e com raízes getulistas. Por sua vez, Lula era o candidato do movimento sindical que surgira no final da década de 1970 e contava com o apoio de pessoas supostamente esclarecidas como professores universitários, artistas etc. Lula (17,19%) derrotou Brizola (16,51%) por uma pequena margem (0,68%). Desde então, o PT é o líder inconteste da extrema esquerda brasileira.

Fernando Henrique Cardoso venceu a eleição de 1994 no primeiro turno. Na ocasião, Lula obteve 27,04% dos votos válidos. Por sua vez, Brizola obteve apenas 3,19%. Vale ressaltar que em 1989, a soma dos votos de Lula e Brizola foi igual 33,70%. Em 1994, juntos os dois candidatos obtiveram 30,23%. Ou seja, a extrema esquerda teve uma participação quase constante nos votos válidos; porém, os votos originalmente brizolistas migraram para o PT.

Em todas as eleições em que venceu (2002, 2006, 2010 e 2014), o PT obteve mais do que 41% dos votos válidos no primeiro turno. Somente em 2018, quando a votação de Fernando Haddad ficou um pouco abaixo de 30%, o PT retrocedeu para um patamar similar àqueles que o partido alcançara nas eleições de 1994 e 1998.

Desde a eleição presidencial de 1994 que o PT tem mais de 27% dos votos válidos no primeiro turno.

Essas estatísticas sugerem que o PT tem um eleitorado fiel que corresponde de 25% a 30% do total de votantes. Assim sendo, independentemente de quem for o candidato do partido em 2022, possivelmente ele terá pelo menos 25% dos votos. E, a menos que a eleição seja decidida já na primeira votação, tal percentual de votos possivelmente será suficiente para que o PT esteja presente no segundo turno. Em síntese, as informações atualmente disponíveis sugerem que dificilmente o PT terá um resultado pior do que o segundo lugar na eleição presidencial de 2022.

Um ponto a ser considerado é que os votos que hoje são destinados ao PT podem migrar para outro grupamento político. Todavia, não é razoável supor que o eleitorado que tem sido fiel ao partido venha a votar em um candidato que não abrace a causa da esquerda radical. Colocando de outra forma, um eventual ocaso do PT provavelmente será acompanhado pela ascensão de outro partido extremista, como o PSOL ou a Rede.

Concluindo, é um erro sério tomar como verdade expressões como “o PT já era”, “a esquerda brasileira morreu” etc. Na verdade, tudo indica que em 2022 enfrentaremos o PT (ou outro partido radical) nas urnas. Precisamos estar preparados para esse embate.


notificações por email   Cadastre-se para ser notificado por email sempre que um novo texto for disponibilizado no blog.

compartilhe este texto