Rio de Janeiro, . | Política


A impressionante vitória de Jair Bolsonaro

Alexandre B. Cunha

Jair Bolsonaro e Fernando Haddad receberam, respectivamente, 55,13% e 44,87% dos votos válidos no segundo turno da recente eleição presidencial. Contudo, a boa compreensão do resultado do pleito requer que se analisem outras informações além desses percentuais. Quando se levam em consideração as condições em que o capitão reformado do Exército realizou a sua campanha, os resultados de eleições anteriores e alguns outros fatores, conclui-se que a vitória de Bolsonaro foi um evento totalmente inusitado.

Nas seis últimas eleições presidenciais, as quais ocorreram nos anos de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, os dois primeiros colocados pertenciam ao PT e ao PSDB. Por si só, dar fim a essa polarização foi um importante feito de Bolsonaro. Contudo, o desafio que ele tinha pela frente era consideravelmente mais complexo. Como ele iria concorrer em oposição frontal ao PT, para vencer a eleição ele precisaria ocupar o espaço que em eleições passadas fora preenchido pelos tucanos. Contudo, isso não seria suficiente para chegar ao Palácio do Planalto. Afinal de contas, se em um eventual segundo turno o capitão repetisse o desempenho de Aécio Neves em 2014, então ele também seria derrotado pelo candidato petista. Logo, Bolsonaro se defrontava com duas tarefas: ele precisava (1) se apropriar dos votos que, em consonância com os resultados das eleições anteriores, deveriam ser destinados ao PSDB e (2) receber o apoio de parcela do eleitorado que, de acordo com tradição existente, tenderia a votar no PT.

Considere a primeira dessas duas tarefas. Quando se compara o resultado do segundo turno de 2014 com o de 2018, verifica-se que Jair Bolsonaro atingiu percentuais superiores àqueles obtidos por Aécio Neves em 23 dos 26 estados brasileiros e também no DF. Nos três estados em que Bolsonaro teve um desempenho inferior ao do tucano, a diferença, em pontos percentuais, foi modesta: inferior a um ponto na Paraíba e em Sergipe e igual 2,53 pontos na Bahia. Desta forma, é claro que Bolsonaro teve sucesso na tarefa em questão.

Tendo em vista que se está a discutir o fato de Jair Bolsonaro ter herdado o eleitorado tucano, não se pode deixar de analisar o caso de São Paulo. Por décadas, esse estado foi o principal reduto eleitoral do PSDB. O pleito de 1990 foi a última ocasião em que o eleitorado paulista consagrou um candidato a governador que não era tucano. Desde então, o PSDB venceu as eleições para o comando do estado em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e também agora em 2018. No específico caso da eleição de 2014, o desempenho tucano foi espetacular. Na ocasião, Geraldo Alckmin era o governador e buscava a reeleição. Ele venceu no primeiro turno com 57,3% dos votos válidos; adicionalmente, Alckmin foi o candidato mais votado em todos exceto um dos 645 munícipios paulistas. No tocante à disputa presidencial, Aécio Neves recebeu 44,22% dos votos válidos no primeiro turno. Dado esse quadro, era de se esperar que Alckmin tivesse um excelente desempenho em São Paulo na eleição deste ano. Todavia, o tucano recebeu apenas 9,52% dos votos válidos no primeiro turno, enquanto Jair Bolsonaro atingiu o patamar de 53,00%.

As informações contidas no penúltimo parágrafo também são úteis para discutir o sucesso de Jair Bolsonaro em tirar votos do PT. Observe que se afirmou acima que o militar teve um desempenho superior ao de Aécio Neves no DF e em 23 estados. Uma consequência matemática desse fato é que Fernando Haddad teve um desempenho inferior ao de Dilma Rousseff nas 24 unidades federativas em questão. Ou seja, relativamente ao segundo turno de 2014, Bolsonaro tirou votos do PT em quase todo o país. Ele foi particularmente bem-sucedido em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, os maiores colégios eleitorais do Brasil depois de São Paulo. Lula foi vitorioso em ambos os estados no segundo turno de 2002 e no de 2006. O mesmo ocorreu com Dilma em 2010 e 2014. Apesar disso, Bolsonaro derrotou Haddad tanto em Minas como no Rio. Nesses dois locais, o militar suplantou o petista por 4,7 milhões de votos, o que equivale a quase 44% da diferença de 10,8 milhões verificada entre os dois candidatos no âmbito nacional.

Além da sua vitória no pleito presidencial, os desempenhos de alguns candidatos notoriamente ligados a Jair Bolsonaro também evidenciam o grande capital político com que ele saiu da eleição. Em São Paulo, seu filho Eduardo Bolsonaro se tornou o deputado federal mais votado da história brasileira ao atingir a impressionante marca de 1,8 milhão de votos. No Rio de Janeiro, seu outro filho Flávio Bolsonaro foi eleito senador. No mesmo estado, ocorreu o interessante caso envolvendo o subtenente do Exército Hélio Fernando Barbosa Lopes. Em 2016, ele concorreu ao cargo de vereador do munícipio de Nova Iguaçu e obteve meros 480 votos. Neste ano, ele concorreu ao cargo de deputado federal, tendo se identificado como Hélio Bolsonaro durante a campanha. Ele recebeu 345 mil votos e foi candidato mais votado no estado.

O bom desempenho eleitoral dos correligionários de Jair Bolsonaro não ficou restrito aos candidatos que compartilhavam o seu sobrenome. O seu partido (PSL), que tinha 8 deputados e nenhum senador no Congresso, passará a ter uma bancada de 52 deputados e 4 senadores. Adicionalmente, duas candidatas do PSL tiveram desempenhos notáveis no estado de São Paulo. A jornalista Joice Halssemann foi eleita para a Câmara Federal com mais de um milhão de votos, ao passo que a jurista Janaína Paschoal concorreu ao legislativo estadual e recebeu mais de dois milhões de votos.

Outro indicador da força eleitoral de Jair Bolsonaro ocorreu nas disputas para os governos de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Os candidatos vitoriosos nesses estados, que são os três maiores colégios eleitorais do Brasil, apoiaram Jair Bolsonaro no segundo turno.

Os fatos acima descritos evidenciam a grande dimensão da vitória de Jair Bolsonaro. Contudo, o resultado do pleito se torna ainda mais impressionante diante da evidente cruzada contra Jair Bolsonaro levada a cabo pela grande imprensa brasileira. Observe que não se está a dizer que a imprensa foi neutra nas eleições anteriores. Porém, sempre havia alguma diversidade de posicionamentos. Por exemplo, o jornal A e a revista B tinham uma linha editorial favorável ao candidato X, ao passo que os editores do jornal C simpatizavam com o candidato Y. E, tanto em A como em B como em C, existia um ou outro articulista que se manifestava de forma distinta à linha editorial do próprio veículo. Contudo, isso não se verificou nesta eleição. Veículos como Folha de São Paulo, O Globo, Rede Globo, Globo News e Veja eram manifestamente contrários à candidatura do militar. O mesmo vale para todos ou quase todos os seus articulistas e jornalistas. Definitivamente, nenhum outro candidato, especialmente aqueles que foram vitoriosos nas eleições anteriores, teve que enfrentar quase que a totalidade da grande imprensa nacional. É realmente surpreendente que, apesar de toda essa virulenta propaganda negativa, Jair Bolsonaro tenha sido bem-sucedido.

O candidato vitorioso não contou com vultosos recursos financeiros e com o apoio de uma ampla estrutura partidária. Consequentemente, a sua campanha foi muito mais modesta do que as de seus competidores. Considere inicialmente o primeiro turno. Jair Bolsonaro gastou R$ 1,2 milhão. Fernando Haddad dispendeu aproximadamente R$ 12 milhões, ao passo que Geraldo Alckmin gastou mais de R$ 50 milhões. No tocante ao tempo de propaganda eleitoral gratuita, o quadro não foi muito diferente. Bolsonaro dispunha de 18 segundos diários, enquanto Alckmin e Haddad contavam respectivamente com 11min03seg e 4min44seg por dia.

No segundo turno, Jair Bolsonaro e Haddad dispunham do mesmo tempo de propaganda gratuita. Contudo, a diferença de capacidade financeira persistiu. De fato, no último dia 9 o militar reformado informou ao TSE ter gasto R$ 2,4 milhões durante toda a campanha eleitoral. Por outro lado, a campanha petista ainda estava contabilizando os seus gastos. Porém, já sabia que haviam sido dispendidos pelo menos R$ 36,2 milhões ao longo dos dois turnos. Combinando-se essas informações com aquelas disponíveis no parágrafo anterior, pode-se inferir que a campanha de Bolsonaro gastou R$ 1,2 milhão no segundo turno, ao passo que a do petista dispendeu mais de R$ 24 milhões.

Tendo em vista a discussão acima, não é de surpreender que a campanha de Bolsonaro tenha sido, quando comparada com a de seus oponentes, uma operação essencialmente amadora. Não havia vídeos ou anúncios sofisticados produzidos por marqueteiros caríssimos como o tristemente famoso João Santana. Boa parte da comunicação de Bolsonaro com o eleitorado ocorreu por meio de lives na internet e postagens em redes sociais.

Vídeo de live da campanha de Jair Bolsonaro. Observe que a bandeira do Brasil pregada na parede com fita adesiva estava caindo. Fonte: YouTube

Dito isto, é difícil imaginar uma melhor maneira de se utilizar a expressão “o tostão derrotou o milhão” do que para descrever a vitória de Bolsonaro.

Em síntese, a vitória de Bolsonaro foi um grande feito. Para alcançá-la, ele desalojou o PSDB da disputa pelo Palácio do Planalto e derrotou o PT por ampla margem em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, estados nos quais os candidatos petistas haviam sido vitoriosos nas quatro últimas eleições presidenciais. A bancada do PSL no Congresso cresceu consideravelmente, sendo que vários integrantes desse partido receberam votações consagradoras. Além disso, Bolsonaro recebeu o apoio dos governadores eleitos em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Todas essas realizações ocorreram a despeito da forte campanha negativa realizada pela grande imprensa, de não haver qualquer partido expressivo que o apoiasse e dos poucos recursos disponíveis para financiar a sua campanha eleitoral. E, como se a tarefa à sua frente não fosse o suficientemente desafiadora, Jair Bolsonaro ainda foi vítima de um atentado que quase lhe custou a vida. Provavelmente décadas se passarão até que outro político brasileiro alcance uma vitória tão impressionante.


notificações por email   Cadastre-se para ser notificado por email sempre que um novo texto for disponibilizado no blog.

compartilhe este texto