Rio de Janeiro, . | Economia, Estatística, Governo


O desafio do ajuste fiscal: considerações adicionais, parte 2

Alexandre B. Cunha

Variações na taxa de inflação afetam o superávit primário que o governo necessita gerar para estabilizar a relação entre dívida pública e PIB. Discute-se neste breve texto como que esse fato pode impactar os valores apresentados no artigo O desafio do ajuste fiscal.

O imposto inflacionário

Esta parte do texto é voltada para os leitores que não tenham familiaridade com o conceito de imposto inflacionário. Os demais podem avançar diretamente para a próxima seção.

Para aqueles que nunca estudaram Economia, a ideia de que a inflação funcione como um imposto pode no primeiro momento soar como obscura. Porém, o mecanismo econômico subjacente é extremamente simples. Assuma que o governo queira comprar mil computadores. Para financiar a aquisição desses equipamentos, ele pode cobrar impostos dos cidadãos. Em outras palavras: se o governo deseja efetuar alguma despesa, então ele pode obter recursos através dos impostos.

Outra forma de o governo se financiar consiste obter um empréstimo (ou seja, o governo emite títulos públicos). Contudo, em algum momento no futuro o governo precisará quitar essa dívida. Desta forma, posteriormente será preciso cobrar mais impostos.

A terceira forma parecer ser mágica. Suponha que o governo adquira os computadores e pague a despesa com cédulas e moedas recém-fabricadas. Ou seja, o governo se financia através da expansão monetária. Não há necessidade de se cobrar mais impostos nem hoje nem no futuro. Maravilhoso, não?

Infelizmente, o argumento apresentado no parágrafo anterior está incompleto. Caso contrário, o governo poderia custear o que bem entendesse sem cobrar impostos. O país precisa de mais escolas? Vamos emitir moeda. O salário dos funcionários públicos está baixo? Isso não é problema. Dobramos os salários e financiamos a despesa adicional através da expansão monetária.

Evidentemente, há algum lapso no raciocínio acima. O ponto central é que o aumento da quantidade de dinheiro em circulação terminará por causar uma elevação dos preços. Por sua vez, essa elevação de preços reduz o poder de compra das moedas e cédulas que as pessoas têm nas suas carteiras e que as empresas mantêm no seu caixa. Ou seja, uma mesma cédula de R$ 10,00 passa a comprar uma quantidade menor de bens. O mesmo vale para todas as demais cédulas e moedas.

A perda de poder de compra acima mencionada é, para todos os efeitos econômicos, equivalente a um tributo. Desta forma, a expansão monetária está associada a um imposto decorrente da elevação dos preços, a qual os economistas chamam de imposto inflacionário.

Inflação, ajuste fiscal e superávit primário

Conforme mencionado no artigo O desafio do ajuste fiscal, o país precisa fazer um ajuste fiscal de forma que o governo passe a ter um superávit primário igual a 2,33% do PIB. Para se chegar a tal valor, assumiu-se, de forma otimista, que a taxa de crescimento do PIB e a taxa real de juros seriam respectivamente iguais a 3% e 6% ao ano.

Adicionalmente, postulou-se que a inflação seria igual a 4,5% ao ano. Tal valor corresponde ao centro da meta de inflação em vigor desde 2005. Implicitamente, este autor assumiu que de 2020 em diante o Banco Central terá sucesso em fazer com que os preços cresçam de forma consistente com a meta em questão.

Suponha agora que o ajuste fiscal feito pelo governo seja inferior àquele mencionado em O desafio do ajuste fiscal. Mais especificamente, assuma que ao invés de ter um superávit primário de 2,33% em 2020, no ano em questão o governo tenha atingido um resultado primário nulo. Em tal cenário, qual deveria ser a taxa de inflação que geraria uma receita com o imposto inflacionário o suficientemente alta para estabilizar a relação dívida/PIB? A resposta extremamente (talvez eu devesse ter escrito irrealisticamente) otimista é 50,9% ao ano.

Em síntese, a elevação da taxa de inflação pode reduzir o tamanho do ajuste fiscal necessário para garantir que o governo brasileiro não fique insolvente. Porém, não se está a falar de um pequeno acréscimo nos índices inflacionários. A não realização de ajuste fiscal capaz de gerar um superávit primário poderá fazer com que o país volte a conviver regularmente com uma taxa anual de inflação superior a 50%.


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