Rio de Janeiro, . | Capitalismo, Democracia, Economia, História, Liberdade, Socialismo


Não existe democracia sem liberdade econômica

Alexandre B. Cunha

A liberdade econômica é necessária para que os membros de uma sociedade desfrutem da liberdade individual e política. A despeito disso, a importância da economia de mercado e da livre iniciativa para a existência e o funcionamento da democracia é um tema relativamente pouco discutido.

Episódios recentemente ocorridos na Venezuela ilustram como uma ditadura pode utilizar o seu controle sobre a economia para cercear a atividade política. A Constituição daquele país contém um dispositivo que é conhecido como recall. Tal norma especifica que se 20% dos eleitores subscreverem uma petição solicitando que haja um referendo sobre o afastamento do Presidente da República, então será realizada a consulta em questão.

Ao longo do ano de 2016, a oposição venezuelana se dedicou a coletar as assinaturas necessárias para realizar o recall de Nicolas Maduro. O governo pressionou os venezuelanos da forma absolutamente truculenta. Algumas pessoas que tinham empregos públicos e assinaram a petição foram demitidas. Como se isso não bastasse, a escassez de alimentos faz com que várias pessoas não tenham condições de abrir mão dos produtos comercializados pelas lojas estatais. Os chavistas não hesitaram em impedir que os signatários fizessem compras nos estabelecimentos em questão. Ou seja, alguns venezuelanos tiveram que escolher entre assinar a lista e se alimentar.

As táticas adotadas pelo governo não foram suficientes para derrotar a iniciativa do recall. O anseio do povo venezuelano de se livrar da tirana socialista é tão forte que, a despeito das ameaças e retaliações, em outubro último já estava claro que a oposição conseguiria o número necessário de assinaturas. Diante de tal quadro, Nicolas Maduro tomou a drástica (e ilegal) decisão de proibir a coleta de assinaturas.

Considere agora a seguinte passagem do influente livro Capitalismo e Liberdade (1962), de autoria do economista norte-americano Milton Friedman (trecho entre aspas em itálico traduzido do inglês por este autor; o mesmo comentário se aplica aos demais trechos deste texto que estiverem marcados de forma similar):

A nossa experiência com o macarthismo fornece outro exemplo do papel da economia de mercado na preservação da liberdade política […] que proteção os indivíduos acusados, especialmente os funcionários públicos, tinham contra as acusações irresponsáveis e os interrogatórios que abordavam fatos que as suas consciências impediam que eles revelassem? As garantias legais previstas na quinta emenda [a qual assegura, dentre outros itens, que ninguém será executado ou preso ou terá as suas propriedades confiscadas sem o devido processo legal] se tornariam irrelevantes para aqueles que não tivessem uma alternativa, fosse como empregado ou empresário, fora do setor público.

A garantia fundamental para aquelas pessoas foi a existência de um setor privado no qual elas pudessem ganhar o pão de cada dia […]” (p. 20–21).

Ou seja, o fato de existir nos EUA uma economia de livre mercado, relativamente livre da interferência do governo, permitiu que uma pessoa afetada pelo macarthismo tivesse como se sustentar mesmo que ela tivesse sido forçada a trocar de emprego devido à perseguição política.

O argumento de Friedman está diretamente relacionado ao ocorrido na Venezuela. Os chavistas ainda não conseguiram socializar completamente a economia do país. Assim sendo, uma expressiva parcela da população tem como não se submeter às chantagens do governo bolivariano. Por tal razão, ainda existe uma oposição organizada e um número considerável de pessoas se dispôs a assinar a petição do recall.

O governo de Cuba tem considerável controle sobre a economia daquela nação. Para os cubanos, a iniciativa privada está restrita a pequenos negócios (como restaurantes, salões de beleza e mercearias) e atividades autônomas (como dirigir um táxi e realizar pequenas obras). Não é de surpreender que a oposição seja quase que inexistente naquele país. Na Coréia do Norte, onde o governo possui ainda mais controle sobre a economia, simplesmente não há oposição.

A ocorrência de situações como aquelas descritas no parágrafo anterior foi explicada de forma clara pelo escritor russo Aleksandr Solzhenitsyn no livro Arquipélago GULAG (vol. 2, 1974). Ao discutir a razão pela qual não existia oposição à ditadura soviética, esse autor escreveu o seguinte:

Se fosse fácil trocar de residência, abandonar um lugar que tenha se tornado perigoso e, desta forma, se desenvencilhar do medo e recomeçar a vida, então as pessoas teriam agido de forma mais corajosa e aceitado incorrer em alguns riscos. Porém, por décadas nós vivemos prisioneiros de um sistema no qual ninguém poderia mudar de emprego por iniciativa própria. E o sistema de passaporte [interno, necessário para que uma pessoa se deslocasse dentro do próprio país] amarrava cada um de nós a uma localidade específica. E a moradia não podia ser vendida nem trocada nem alugada. E tudo isso fazia com que fosse simplesmente insano ousar protestar no seu local de residência ou de trabalho.” (p. 634)

Isto é, o fato de o governo soviético ter pleno controle sobre o emprego e o local de moradia de cada pessoa tornava inviável que ela se engajasse em qualquer atividade política que não fosse autorizada pelo próprio governo.

O argumento de Solzhenitsyn se torna ainda mais contundente quando combinado a esta outra afirmativa de Friedman, a qual também se encontra na já citada obra Capitalismo e Liberdade:

Desconheço exemplo, em qualquer tempo e local, de sociedade que tenha desfrutado de um considerável grau de liberdade política sem ter utilizado algo comparável ao livre mercado para organizar a maior parte da atividade econômica.” (p. 9)

Em síntese, a lição da história é inequívoca. No momento que um governo tem pleno controle da atividade econômica, não há como haver oposição. E sem oposição não existe democracia. Para desfrutar da liberdade individual e política, uma pessoa precisa gozar da liberdade econômica. Por tal motivo, nunca existiu e jamais existirá algo como ‘socialismo democrático’ ou ‘socialismo com liberdade’.


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Referências Bibliográficas

FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago: Chicago University Press, 1962.

SOLZHENITSYN, Aleksandr I. The GULAG Archipelago, vol. 2.  Nova Iorque: Harper & Row, 1974.